IMPORTANTE ARTIGO SOBRE O SUS E A ANS.
Sinais trocados na saúde
Governo e parlamentares negam mais recursos ao SUS, mas entregam a ANS a um setor que assiste,
mal, apenas uma parcela da população
Lugar de conflitos de interesse, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) se vê diante de mais um escândalo.
Após a queda de um diretor da agência por ter omitido que trabalhou para empresas de planos de
saúde, a presidente Dilma Rousseff indicou a posto semelhante o atual presidente da CNS
(Confederação Nacional de Saúde), que aguarda sabatina no Senado.
A entidade representa hospitais, clínicas, laboratórios, operadoras de planos de saúde, e o indicado
foi, no passado, presidente de empresa que atua na saúde suplementar.
Mais grave é a posição do possível novo diretor, revelada neste mesmo espaço da Folha, em 2010:
"Questionamos no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade do artigo 32 da lei dos planos
de saúde (lei nº 9.656/98), que prevê o ressarcimento ao SUS caso o beneficiário do plano seja
atendido pelo sistema público".
Pela lei, cabe à ANS identificar os pacientes atendidos no SUS, notificar as empresas sobre os valores
a serem ressarcidos e cobrar a devolução. Em uma única reunião, em março de 2014, a diretoria da
ANS deliberou sobre 99 recursos de planos de saúde contra o ressarcimento ao SUS.
O conflito anunciado envolve tema sensível à ANS. Já em 2009, o Tribunal de Contas da União alertou
que a agência dá prejuízo aos cofres públicos, pois não identifica corretamente o que deve ser
ressarcido e é lenta para realizar as cobranças, jogando os processos à prescrição.
Por isso, o volume do ressarcimento é insignificante. De 2001 a 2013, retornaram ao SUS apenas
R$ 447 milhões. O SUS realiza por ano 11 milhões de internações, das quais pelo menos 200 mil são
de clientes de planos de saúde, custo que chega a R$ 1 bilhão, sem contar os procedimentos
ambulatoriais que, inexplicavelmente, não são processados pela ANS.
A Câmara dos Deputados e o Senado acabaram de aprovar redução do valor das multas dos planos
de saúde, um incentivo às restrições de cobertura, infração mais cometida, piorando a situação atual,
em que os pagamentos não chegam a 20% dos valores das sanções timidamente aplicadas pela ANS.
Em 2013, com o apoio do governo, a medida provisória nº 619 já havia livrado os planos de cobrança
bilionária do PIS e Cofins. Tal vantagem tributária soma-se à renúncia fiscal no cálculo de Imposto de
Renda de pessoas físicas e jurídicas, que sempre beneficiou os planos de saúde.
E, ainda, passaram a ganhar do BNDES linhas de crédito para ampliação de suas redes hospitalares.
A ANS quer permitir que deem de garantia aos empréstimos a chamada reserva técnica --fundo
obrigatório por lei para que, em caso de falência, as operadoras não deixem na mão os consumidores.
O subfinanciamento público é o maior algoz da saúde no Brasil. O gasto per capita do SUS, para toda
a população, é de R$ 45 por mês. A receita dos planos de saúde chega a R$ 160 por pessoa, o que
rendeu às operadoras R$ 93 bilhões em 2013.
Governo e parlamentares negam mais recursos ao SUS, sistema de todos os brasileiros, mas concedem
incentivos econômicos e entregam a agência reguladora a um setor que assiste --e mal-- apenas uma
parcela da população.
Candidatos sempre defendem o SUS. Mas, na hora da doença, nunca querem se tratar nos mesmos
locais onde tentarão ser atendidos os eleitores que desejam conquistar. E, na campanha, terão
dinheiro farto dos planos privados.
A população que foi às ruas exigir serviços públicos de saúde de qualidade, o povo que aponta a
saúde como o maior problema do Brasil talvez tenha percebido que os sinais estão mesmo trocados.
MÁRIO SCHEFFER, 47, é professor da Faculdade de Medicina da USP e membro do conselho diretor
do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
MARILENA LAZZARINI, 65, é presidente do conselho diretor do Idec
|
17/04/2014
|